Canetas
O objeto de seu desejo...
Ele era apaixonado por outro de mesmo gênero. Isso era um problema. Muitos, se soubessem, diriam que aquilo era um disparate, algo totalmente condenável e desprezível e, por isso, mantinha segredo de seus sentimentos para todos. Inclusive seu amado. Isso não é vida para ninguém. Mas assim vivia ele. Sozinho.
Todos que passavam por ele eram manipuladores, achavam que eram dono dele, machucando-o, tratando sem cuidados seu corpo, seu meio de viver. Era comprado, usado e vendido novamente. Pessoas de várias estirpes lhe pisavam e ele deixava. Como sempre.
Sua vida era sem sentido antes dele reparar naquele gigante. A princípio tentou ignorar, mas era praticamente impossível não reparar nele: alto, magro e imponente. Mais bonito que ele todo eram seus olhos que emitiam uma luz que deixava todos encantados com a sua beleza.
Amava calado. Sofria calado. E seu corpo foi de muitos e muitas outras antes dele decidir que deveria ser dono de si e entregar-se a paixão. Decidiu declarar-se ao de sua vida, entregando-se de corpo e alma ?Próxima vez que o vir, irei a seu encontro. Prefiro morrer a ficar longe dele!?.
E assim foi. João acordou, penteou seus poucos cabelos e passou uma colonia barata. Estava muito ansioso, seria a oportunidade de sua vida. Finalmente conseguiria o que tanto queria. Olhou para o relógio, estava atrasado! Entrou correndo em seu carro preto e saiu cantando pneu.
O carro estava estranho. Estava pendendo para um dos lados, mas isso não era o mais esquisito, pois o veículo, mesmo tendo sido comprado a pouco, já tinha sido de outras pessoas. Nem todo mundo cuida de um carro, principalmente um velho como aquele. O estranho era o barulho do motor. Parecia que algo tinha se soltado, fazendo um barulho frequente.
De repente, algo aconteceu: parecia que o tempo tinha parado. Alí, estava ele. Não pensou duas vezes, ainda mais rapidamente, ele correu para seu objeto de desejo. O desepero de João era evidente: O carro estava acelerado e indo em direção a um poste! Perdeu o controle, colidiu com um grande estardalhaço.
O pobre carro ficou em pedaços: O amor não era recíproco! Grossas lágrimas negras escorriam de motor, mas ele estava em paz, finalmente. Pela primeira vez em sua existencia ele teve certeza de que não viveu em vão... Ele conseguiu marcar a vida de alguém.
O poste caiu, para desespero dos que assistiam a cena. Aquele idiota que sempre olhava para ele decidiu acertá-lo, do nada... Ele nunca gostou de carros, o negócio dele era mais animal: cachorros! Ou algo mais diferentes, como lambretas... Mas, um carro? E preto ainda por cima! Ainda bem que aquilo tinha acabado de uma vez. Em um momento de prazer, ele viu um cachorrinho do jeito que ele gostava levantando a perninha em cima dele, enquanto uma multidão corria para tentar salvar o jovem escritor que estava em estado deplorável dentro do carro...
Quem se importa? Pelo menos o líquido era quentindo!
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